Empreender além das fronteiras: a jornada das mulheres imigrantes

Como algumas mulheres estão a transformar desafios em oportunidades e a fazer história longe de casa

O empreendedorismo tem-se mostrado uma via significativa para mulheres imigrantes que procuram autonomia financeira e integração social. No entanto, essa jornada é permeada por desafios específicos, que exigem políticas públicas eficazes e redes de apoio robustas.


Os principais desafios enfrentados por quem se estabelece num novo país envolvem diferentes dimensões da vida pessoal e profissional. As barreiras linguísticas e culturais costumam ser um dos primeiros obstáculos, já que a adaptação a um novo idioma e a uma cultura diferente pode dificultar a comunicação e a construção de redes de contato.

Outro ponto crítico é o reconhecimento de qualificações: diplomas e experiências profissionais adquiridos no país de origem nem sempre são reconhecidos ou equiparados, o que limita as oportunidades no mercado formal. Além disso, o acesso a financiamento representa uma dificuldade significativa, pois a ausência de histórico de crédito e garantias restringe a obtenção de empréstimos e investimentos necessários.

Por fim, a necessidade de conciliar vida profissional e pessoal, muitas vezes marcada pela sobrecarga de responsabilidades familiares, impacta diretamente o tempo e a energia disponíveis para investir no desenvolvimento de negócios.

Apesar dos desafios, as mulheres imigrantes têm demonstrado resiliência e inovação. Sectores como gastronomia, estética, moda e serviços personalizados têm sido áreas de destaque para novos negócios. Além disso, a diversidade cultural oferece uma vantagem competitiva, permitindo a criação de produtos e serviços autênticos que respondem a nichos específicos.


As mulheres empreendedoras que migram para um novo país encontram barreiras específicas — idioma, rede de contatos reduzida, exigências legais. Mas vários governos criaram programas que encurtam o caminho entre a ideia e um negócio sustentável.

Programas de apoio ao empreendedorismo em Portugal

Embora muitos programas de incentivo ao empreendedorismo em Portugal não tenham sido criados especificamente para imigrantes, eles representam oportunidades concretas que também podem beneficiar mulheres migrantes que desejam abrir ou expandir os seus negócios. De linhas de microcrédito a programas de formação e fundos de inovação, o país dispõe de várias iniciativas que podem facilitar o acesso a financiamento, mentoria e capacitação, ajudando a transformar ideias em empresas sustentáveis.

Um dos exemplos mais conhecidos é o programa Sou Mais, que permite acesso a microcréditos de até 20.000€ para pequenos negócios, além de apoio técnico à criação e consolidação de projetos. Ideal para quem está a começar ou não tem histórico de crédito no país. 

Para quem tem ideias inovadoras, programas como o StartUP Voucher do IAPMEI e o Empreender 2030 oferecem não apenas financiamento, mas também mentoria, incubação e formação em gestão e inovação. Essas iniciativas podem ser especialmente úteis para imigrantes qualificadas que desejam atuar em setores como tecnologia, sustentabilidade e digitalização.

Além disso, o IAPMEI promove ações de ensino e formação em empreendedorismo, através da sua Academia de PME, ajudando empreendedoras a desenvolver competências essenciais para gerir um negócio em Portugal — desde o planeamento estratégico até ao acesso a redes de incubadoras e investidores.

Já a linha de apoio à Criação do Próprio Emprego, gerida pelo Banco Português de Fomento, oferece financiamento e condições especiais para quem pretende sair do desemprego e empreender; jovens à procura do primeiro emprego ou trabalhadores independentes com baixos rendimentos.

Por fim, o Projeto Promoção do Empreendedorismo Imigrante (PEI), iniciado em 2009 pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), e que hoje se realiza através da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), oferece formação, consultoria e apoio financeiro para a criação de negócios feitos por imigrantes. Entre 2015 e 2020, o programa acompanhou mais de mil projetos de empreendedorismo em Portugal. Os seus pontos fortes são os cursos gratuitos de gestão e marketing, acompanhamento individual e articulação com microcrédito.

Exemplos reais de mulheres empreendedoras em Portugal

Roselyn Silva: Natural de São Tomé e Príncipe - emigrada aos 4 anos de idade -  Roselyn é uma estilista que participou do programa Shark Tank em Portugal. Fundou um atelier em Lisboa, onde cria peças exclusivas e também promove iniciativas sociais, como a produção de batas hospitalares em colaboração com costureiras locais durante a Covid, tendo sido uma das vencedoras do Concurso Empreende Jovem-Call one.

Girls on Board: Desde 2017, a Girls On Board também está presente em Portugal. A nossa CEO, Veridiana Bressane, escolheu o país como base para promover o empoderamento feminino através do desporto, da aventura e de eventos culturais. Com iniciativas que vão desde workshops até eventos de grande visibilidade, temos como missão inspirar jovens e mulheres a ultrapassarem barreiras, desenvolverem confiança e descobrirem novas oportunidades, mostrando que coragem e determinação não têm fronteiras.

“Contar com o apoio de projetos e leis de incentivo ajuda muito. Empreender não é fácil, e noutro país é ainda mais difícil, mas nós, mulheres, quando acreditamos em algo, sabemos como criar, nutrir, fazer crescer e, com resiliência, fazemos tudo acontecer. Confia!”, afirma Veridiana.

Mariana Braz: Psicóloga e fundadora do projeto Brasileiras Não Se Calam, está radicada em Portugal desde 2017. A sua trajetória profissional inclui atuação na Unidade de Apoio à Vítima Migrante e Discriminação (UAVMD), da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), onde trabalhou com mulheres imigrantes sobreviventes de violência doméstica.

Em 2020, fundou o projeto social Brasileiras Não Se Calam, que visa proporcionar um espaço seguro de acolhimento, empoderamento e ativismo para mulheres brasileiras imigrantes em Portugal e no mundo. O projeto oferece grupos de apoio emocional online, podcasts, artigos e outras iniciativas que promovem a escuta ativa e a partilha de experiências, abordando temas como xenofobia, racismo e violência. 

Além de Portugal: iniciativas para empreendedoras imigrantes 

Portugal não é o único país a investir no empreendedorismo como ferramenta de integração social e crescimento económico. Em países como Canadá, Estados Unidos e Alemanha, existem programas que também apoiam imigrantes a criar os seus próprios negócios. 

Canadá: Programas como o Women Entrepreneurship Loan Fund oferecem empréstimos de até 50 mil dólares canadianos com juros reduzidos para apoio a mulheres empreendedoras, incluindo imigrantes, para expandirem os seus negócios.

Pontos fortes: acesso real ao capital inicial e mentoria a longo prazo; aplicação online simplificada.

Desafios: exige histórico de crédito mínimo no Canadá e plano de negócios detalhado, o que pode ser difícil para recém-chegadas.

Alemanha: O Programa IQ Netzwerk apoia imigrantes na revalidação de diplomas e oferece consultoria, cursos de adaptação e mentoria empreendedora, fundamentais para quem quer abrir um negócio ou atuar em profissões regulamentadas.

Pontos fortes: orientação gratuita em vários idiomas, ligação direta com autoridades de reconhecimento profissional.

Desafios: processos burocráticos e prazos variam entre os estados federais; algumas profissões exigem complementação de estudos.

Estados Unidos: Women’s Business Centers (WBCs) é uma rede nacional apoiada pela Small Business Administration (SBA), que oferece treino em gestão, acesso a capital e networking a mulheres, incluindo imigrantes, que estão a iniciar os seus negócios ou que querem expandir as suas pequenas empresas. 

Pontos fortes: centenas de centros locais, workshops gratuitos ou a baixo custo, suporte em várias línguas.

Desafios: grande procura gera listas de espera; requisitos de documentação podem ser complexos para quem tem um visto temporário.

Porque é que estes modelos importam

Investir em mentorias, financiamentos e reconhecimentos de qualificações não é apenas uma questão de justiça social — é também uma forma de fomentar inovação, diversidade e crescimento económico nos países de acolhimento. 

Estas iniciativas provam que estes apoios são peças-chave para que imigrantes transformem experiência e talento em negócios lucrativos. Adaptar boas práticas — como a mentoria personalizada canadiana ou a rede de centros dos EUA — poderia inspirar novos programas em Portugal e noutros países lusófonos.

Ao apoiar estes projetos, governos, organizações e comunidades contribuem para que mais mulheres possam transformar sonhos em negócios sustentáveis e impactar positivamente a sociedade à sua volta.

*as fotos das mulheres empreendedoras foram tiradas de suas redes sociais

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