GOB Books: leituras para inspirar corpo, mente e sociedade
Quatro livros que revelam caminhos para cuidares de ti, questionares o mundo e transformares realidades
A leitura, assim como o desporto, oferece-nos movimento: às vezes suave e acolhedor, outras vezes intenso e desafiante. Na Girls on Board, acreditamos que os livros têm o poder de transformar, tal como uma onda bem surfada — provocam quedas, despertares e novas formas de olhar para a vida.
Nesta seleção mensal de GOB Books, trazemos quatro títulos que se complementam. Uns falam de saúde e autoconhecimento, outros de crítica social e identidade. Todos, porém, têm algo em comum: o convite para olhar para dentro e para fora com uma maior consciência.
WomanCode: Unlocking Women’s Health – Alisa Vitti
Escrito pela especialista em saúde feminina Alisa Vitti, “WomanCode” é quase um manual de empoderamento biológico. A autora defende que muitas das dificuldades que as mulheres enfrentam — desde cansaço crónico, acne, aumento de peso, infertilidade ou ciclos dolorosos — são sinais de um corpo em desequilíbrio.
O diferencial de Vitti é propor uma abordagem cíclica: entender e respeitar as quatro fases do ciclo menstrual, ajustando alimentação, atividades físicas e, até, tarefas profissionais, de acordo com a energia disponível em cada momento.
Pontos importantes:
A menstruação não é um incómodo para ser ignorado, mas sim uma bússola de saúde.
Comer, treinar e planear a rotina, de acordo com o ciclo menstrual, pode aumentar a energia e a produtividade.
A saúde hormonal impacta não só a fertilidade, mas também o humor, foco, criatividade e bem-estar geral.
Reflexão: Será que já percebeste que o teu ciclo não te “atrapalha”, mas sim que te guia? Este livro é um convite para mudar a narrativa sobre o corpo feminino - empoderamento pelo corpo.
O Corpo tem suas Razões – Thérèse Bertherat e Carol Bernstein
Um clássico, este é o início de uma concepção sobre os trabalhos corporais, que entram numa prática muito mais holística a partir de então até à contemporaneidade da antiginástica — um mergulho profundo na relação entre corpo e mente. Bertherat mostra como as nossas posturas, tensões musculares e dores não surgem do acaso: são, isso sim, fruto de experiências, emoções reprimidas e hábitos inconscientes que se acumulam ao longo da vida.
Durante a obra, a autora propõe exercícios de consciência corporal que revelam como guardamos histórias pessoais nos músculos, na respiração e na forma de andar.
Pontos importantes:
O corpo é um arquivo vivo da nossa história.
Muitas dores físicas são expressões de algo emocional ou psicológico.
É possível reaprender a habitar o corpo de forma livre, sensível e sem violência contra nós próprios.
Reflexão: Será que ouvimos o corpo com atenção ou só reagimos quando ele grita em forma de dor? Mais: até que ponto os nossos movimentos são realmente nossos e não moldados por padrões externos de beleza, disciplina e controlo? Este livro convida-nos a reaprender o sentir.
A Quinta dos Animais – George Orwell
Publicado originalmente em 1945, “A Quinta dos Animais” foi pensado como uma crítica ao totalitarismo e, em especial, ao estalinismo que dominava a União Soviética. Usando uma fábula aparentemente simples, Orwell retrata como os animais de uma quinta se revoltam contra os humanos em nome da igualdade, apenas para ver os novos líderes reproduzirem — e até intensificarem — as injustiças anteriores.
A frase “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros” tornou-se um símbolo universal da hipocrisia do poder e da fragilidade das revoluções quando não existe uma vigilância crítica.
A edição de 2021
A nova edição de 2021 chega num momento de forte debate sobre fake news, polarização política e manipulação de narrativas. Isso faz com que a leitura da obra ganhe novas camadas de sentido: o que em 1945 era uma crítica à distorção de ideais revolucionários, hoje ecoa como um alerta para sociedades contemporâneas que enfrentam desafios semelhantes.
Muitas edições recentes trazem introduções e prefácios que contextualizam a obra para o público de hoje, sublinhando sua atemporalidade. Em 2021, o livro não é apenas uma lembrança do passado, mas quase um espelho do presente.
Paralelo entre 1945 e 2021
1945: Crítica direta ao autoritarismo soviético e à forma como regimes podem usar discursos de igualdade para instaurar sistemas de opressão.
2021: Leitura que ressoa no cenário atual de manipulação de informação, crise de confiança nas instituições e crescente desigualdade social, além do avanço do fascismo.
Em ambas as épocas, o ponto central permanece: sem consciência crítica e política, qualquer revolução pode ser sequestrada pelo poder.
Reflexão: Se Orwell escreveu com a intenção de alertar sobre os perigos da distorção ideológica em meados do século XX, hoje lemos “A Quinta dos Animais” como uma lição contínua: a história repete-se quando deixamos de aprender com ela.
Sejamos todos Feministas – Chimamanda Ngozi Adichie
Baseado numa palestra no TED que ganhou proporção mundial, este ensaio curto de Chimamanda é um dos textos mais acessíveis e transformadores do feminismo contemporâneo. Em poucas páginas, ela expõe como as desigualdades de género atravessam o quotidiano — das expectativas em torno da educação de meninas e meninos até os papéis impostos na vida adulta.
Pontos importantes:
Feminismo não é contra homens, mas a favor da liberdade de todos.
Pequenos gestos e mudanças de mentalidade podem gerar grandes transformações.
A escrita é direta, clara e, ao mesmo tempo, acolhedora, convidando qualquer pessoa a refletir.
Reflexão: Quantas vezes aceitamos como “naturais” alguns papéis e restrições que limitam o potencial feminino? “Sejamos Todos Feministas” mostra que igualdade não é utopia — é um caminho possível, e urgente.
O que levamos destas leituras
Ler estes quatro livros é como percorrer diferentes partes da consciência, cada uma trazendo uma lição única, mas que se complementam na formação de um olhar mais amplo sobre nós mesmas e sobre o mundo.
Em “WomanCode”, Alisa Vitti lembra-nos que o corpo feminino não é um enigma a ser tolerado, mas uma bússola poderosa, capaz de orientar escolhas de saúde, energia e bem-estar. Já em “O Corpo tem suas Razões”, Thérèse Bertherat e Carol Bernstein conduzem-nos numa redescoberta íntima da forma como habitamos o nosso corpo, revelando que cada dor ou tensão pode ser um recado profundo de experiências não resolvidas.
No plano social e político, George Orwell continua mais do que atual com “A Quinta dos Animais”: o alerta que lançou em 1945, sobre o risco de distorção de ideais e abuso de poder, encontra eco nos nossos dias, sobretudo na era da desinformação e da polarização.
Por fim, e trazendo a reflexão para o quotidiano mais imediato, Chimamanda Ngozi Adichie, em “Sejamos Todos Feministas”, convida-nos a pensar sobre a igualdade de género de forma acessível e prática, mostrando como mudanças de mentalidade, mesmo que pequenas, podem transformar relações e abrir caminhos para uma sociedade mais justa.
Juntas, estas obras formam um verdadeiro mosaico: a saúde e a consciência corporal, a crítica social e o feminismo entrelaçam-se num convite para viver de forma mais consciente, livre e conectada. Talvez essa seja a maior força dos livros: a capacidade de nos transformar por dentro e, ao mesmo tempo, de nos preparar para agir no mundo com maior clareza e propósito.