Para além das pistas: o skate como força de inclusão na Índia, Palestina e Etiópi­a

Com quatro rodas, uma tábua e a coragem de sonhar, o skate continua a derrubar fronteiras e a transformar vidas

Em diferentes cantos do mundo, o skate transforma-se numa linguagem universal de liberdade, num veículo de inclusão social e até num grito de esperança. Índia, Palestina e Etiópi­a são exemplos vivos de como uma simples tábua pode desafiar barreiras culturais, políticas e económicas.

Ele prova que a inclusão não exige luxo, apenas espaço e solidariedade. Se estas rodas giram em locais de conflito, desigualdade e tradição rígida, é porque a vontade de liberdade é maior do que qualquer barreira.


Índia: raparigas sobre quatro rodas

Na Índia, os contrastes entre tradição e modernidade encontram-se em cada esquina. Em aldeias rurais, a presença feminina em espaços públicos ainda enfrenta resistência, enquanto nas grandes cidades a juventude busca novas expressões de identidade. Neste cenário, o skate emerge como ferramenta de transformação cultural: raparigas e rapazes partilham pistas, questionando papéis de género e construindo redes de apoio que vão para além do desporto.

Protagonistas locais:

  • Skateistan Índia (Jaipur e Bangalore): braço da ONG fundada em 2007, no Afeganistão, que combina aulas de skate e apoio escolar. O programa “Back-to-School” já ajudou centenas de raparigas a regressarem ao sistema de ensino formal.

  • Barefoot Skateboarders Organization (BSO): Na Índia rural de Madhya Pradesh, na aldeia de Janwaar, a organização emergiu como um agente de mudança transformadora. Fundada por jovens locais, a BSO gere o skatepark Janwaar Castle e o centro comunitário “Villa Janwaar”, promovendo o skate não apenas como desporto, mas como uma plataforma para a educação, liderança juvenil e igualdade de género. Com iniciativas como “No school, no skateboarding”, participação ativa de raparigas e replicação do modelo noutras aldeias, a BSO mostra como um projeto pequeno pode gerar um impacto cultural, social e educativo profundo.

  • Girl Skate Índia: coletivo que promove encontros, workshops e competições exclusivamente para mulheres, ampliando a rede de skaters e oferecendo mentoria.

Palestina: liberdade como resposta ao bloqueio

Viver na Palestina significa lidar diariamente com restrições de movimento, instabilidade política e escassez de espaços de lazer, ainda mais na triste realidade atual. Para os jovens, encontrar um ambiente seguro para brincar ou praticar desportos é um desafio constante. O skate surge, então, como uma lufada de ar fresco – um ato de resistência pacífica que oferece momentos de normalidade e a sensação de liberdade como resposta ao bloqueio.

Protagonistas locais:

  • SkatePal: ONG registada no Reino Unido, presente na Cisjordânia e em Gaza, que constrói pistas, fornece equipamento e forma treinadores locais. Em 2023, o projeto completou a segunda fase do skatepark de Asira al-Shamaliya, considerado um dos espaços de lazer mais seguros da região.

  • Skateboarding.ps (SB.PS): Fundado por Mahmoud Kilani, em 2023, como uma plataforma para promover o skate palestiniano e fortalecer a cena local na Cisjordânia. O projeto oferece mentoria e apoio contínuo aos jovens skaters, em parceria com a organização britânica SkatePal, que fornece recursos e apoio para consolidar a cena local de forma independente.

  • Gaza Skate Team: coletivo de jovens que documenta as suas sessões nas redes sociais, inspirando outras crianças e angariando doações de tábuas, capacetes e ténis.

    Fundado por Rajab Al-Reefi, em 2017, tem sido uma plataforma vital para jovens em Gaza, oferecendo aulas de skate, promovendo a inclusão social e desafiando normas de género tradicionais. Apesar das dificuldades, como a destruição de skateparks e a escassez de equipamento, a equipa continua a operar, organizando sessões de skate e eventos para jovens.

Etiópi­a: novas pistas, novos horizontes

A capital etíope, Adis Abeba, é uma metrópole vibrante que cresce a um ritmo acelerado, mesclando tradições milenares e uma cultura urbana emergente. Num país onde desportos como a corrida e o futebol dominam, o skate chegou como novidade, conquistando jovens que procuravam uma forma própria de expressão. Sem apoio oficial no início, os primeiros skaters criaram uma cena autêntica e as suas próprias rampas.

Protagonistas locais:

  • Ethiopia Skate: movimento iniciado em 2013 por jovens de Adis Abeba que, sem apoio oficial, criaram rampas com madeira e betão improvisado. Em 2016, com financiamento coletivo internacional, construíram o Addis Skate Park, o primeiro parque público de skate do país.

  • Addis Girls Skateboarding: Tem-se destacado por promover o skate entre raparigas e jovens mulheres em Adis Abeba, criando um espaço seguro para expressão, amizade e superação de barreiras sociais.

  • Ethiopian Girl Skaters (EGS): Fundada por Sosina Challa e Micky Asfaw, em 2020, o coletivo reúne mais de 60 jovens, oferecendo um espaço seguro no Addis Skate Park para a prática, aprendizagem e apoio mútuo. As integrantes desafiam normas sociais restritivas e estereótipos de género, inspirando outras raparigas a envolverem-se no skate e promovendo uma cultura de inclusão, solidariedade e liderança juvenil.

Outros projetos inspiradores pelo mundo

Para além das iniciativas na Palestina, Etiópi­a e Índia, existem outros projetos internacionais que promovem o skate feminino e o empoderamento de mulheres. Um exemplo é o GRLSWIRL, fundado por Lucy Osinski nos Estados Unidos, que hoje possui representações em cidades como Lisboa, Paris e Cidade do México. A comunidade oferece mentorias, aulas de skate e eventos culturais, promovendo a participação feminina no desporto de forma inclusiva e acolhedora.

Outro projeto inspirador é o Modern Matriarch Skate Jam, realizado anualmente na Nação Navajo - maior reserva indígena dos Estados Unidos.

Organizado por Amy Denet Deal, em parceria com o GRLSWIRL, o evento reúne raparigas e mulheres indígenas, celebrando a cultura, fortalecendo a autoestima e promovendo a conexão com a terra através do skate. A iniciativa destaca, também, personalidades como a atriz indígena Jessica Matten, que atua como anfitriã e defensora da inclusão feminina no desporto.

Shred the Patriarchy: o skate feminino pelo olhar de Chantal Pinzi

O projeto da fotógrafa Chantal Pinzi - italiana radicada em Berlim - documenta mulheres que praticam skate em diferentes partes do mundo, mostrando como o desporto se tornou uma poderosa ferramenta de empoderamento e resistência a normas de género.

“Shred the Patriarchy” ganhou o bronze na categoria People/Culture do Budapest International Foto Awards 2022, além de ter sido premiado no Global Focus Project Xposure 2024 e de ter vencido o primeiro lugar na categoria Desportos do prestigiado concurso Sony World Photography Awards 2025.

Na Índia, Pinzi documentou comunidades de skate feminino em cidades como Mumbai e Pune, mas a protagonista da história é Asha Gond. Asha, natural de Janwaar, foi a primeira mulher da sua aldeia a viajar para o estrangeiro e a única mulher indiana a competir no Campeonato Mundial de Skate.

Na Etiópi­a, a fotógrafa trabalhou com o grupo Addis Girls Skateboarding, fotografando treinos e manobras das jovens skaters, e evidenciando o skate como espaço de expressão, amizade e fortalecimento da autoestima.

Em Marrocos, Pinzi captou skaters em cidades como Agadir e Taghazout, destacando mulheres que desafiam barreiras culturais e familiares para praticar skate, como a skater Wafa Heboul, que se tornou uma referência local.

Através das suas fotografias, Chantal Pinzi captura não apenas as manobras impressionantes, mas também os momentos de amizade, coragem e resistência destas mulheres, destacando como o skate pode transformar vidas e criar comunidades inclusivas em todo o mundo.

O elo comum

Apesar de separados por milhares de quilómetros, todos estes projetos encontram-se num mesmo eixo de transformação. Em todos eles, a autonomia e a criatividade surgem como força motriz: quando não existem pistas oficiais, as próprias comunidades improvisam rampas e parques, provando que a falta de recursos não é barreira para o movimento.

Ao mesmo tempo, o skate derruba estigmas — o que já foi visto como vandalismo ou “coisa de rapazes” afirma-se hoje como ferramenta de educação, convivência e diversidade.

Esta energia local amplia-se através de uma rede global de solidariedade, na qual ONGs, voluntários e skaters de todo o mundo doam equipamento, tempo e conhecimento, criando laços entre culturas que, de outra forma, dificilmente se cruzariam.

Um pequeno gesto – de doação, divulgação ou voluntariado – pode colocar muitas outras crianças em movimento, e reforçar o impacto social destas iniciativas, mostrando que quatro rodas podem transformar vidas e expandir horizontes em múltiplos países.

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