Licença tabu: já ouviste falar?

São faltas justificadas, mas muitas mulheres ainda escondem o motivo, que geralmente envolve perimenopausa, gravidez, cólica ou endometriose. Porque é que a saúde feminina ainda é um assunto ignorado no ambiente de trabalho?

O termo tem vindo a ganhar espaço para descrever uma realidade silenciosa: quando mulheres faltam ao trabalho, mas não mencionam a causa real por trás da ausência. Em muitos casos, são dores incapacitantes de cólicas, endometriose, sintomas da TPM, perimenopausa ou até questões ligadas à gravidez. 

O medo de estigmatização e a falta de políticas de apoio fazem com que muitas mulheres optem por desculpas vagas, como “não estou bem” ou “preciso de resolver algo pessoal”. Essa realidade não só prejudica a saúde das colaboradoras, como também afeta negativamente a produtividade e o bem-estar organizacional.

O peso do estigma no ambiente de trabalho

A raiz deste silêncio está no estigma. Problemas de saúde associados ao corpo feminino, especialmente os que envolvem ciclo menstrual ou fertilidade, ainda são tratados como assuntos constrangedores.

O resultado é que muitas profissionais evitam conversar com líderes ou colegas sobre as suas dificuldades, adiam diagnósticos e tratamentos, acreditando que precisam suportar a dor. Resultado? Carregam ainda uma sobrecarga emocional, somada ao impacto físico.

Essa cultura de ocultação prejudica tanto as colaboradoras quanto as empresas, que perdem em produtividade, engajamento e bem-estar organizacional.

Avanços na legislação


Embora ainda exista um longo caminho pela frente, alguns países começam a quebrar o silêncio em torno da licença tabu.


Espanha tornou-se pioneira na Europa ao aprovar, em 2023, uma legislação que permite que mulheres com ciclos menstruais dolorosos ou intensos tirem licença remunerada durante o período menstrual. Esta medida reconhece a dismenorreia como uma incapacidade temporária, a ser validada por um médico, sem estabelecer um limite específico de dias para a licença.

Em Portugal, um passo importante foi dado com a aprovação da licença por endometriose e adenomiose, pela Lei n.º 32/2025, que entrou em vigor em 26 de abril de 2025.

A lei permite que pessoas com endometriose ou adenomiose tenham faltas justificadas ao trabalho (ou à escola) até três dias consecutivos por mês, mediante prescrição médica. Esse reconhecimento oficial representa um avanço significativo, dando às mulheres o direito legal de se ausentarem sem medo de julgamento ou estigmatização.

Essa conquista abriu espaço para que outras discussões venham à tona, como a possibilidade de licença menstrual em casos de dores incapacitantes.

Como funciona, na prática, a licença em Portugal:

1. Obter um atestado médico que comprove a condição (endometriose ou adenomiose) e recomende a ausência da mulher para poder lidar com isso.

2. Entregar o atestado ao empregador, respeitando os prazos internos da empresa para a justificação de faltas.

3. Beneficiar do afastamento por até três dias consecutivos por mês, sem necessidade de renovar mensalmente, desde que se mantenha o acompanhamento médico.

O impacto na produtividade e retenção



Pesquisas indicam que a falta de apoio institucional para mulheres em fases como a perimenopausa pode resultar em perdas significativas para elas e para as empresas. O Grupo Ageas realizou um estudo que revelou que 63% das mulheres portuguesas afirmam que a menopausa impacta negativamente o seu dia a dia no trabalho.

No Brasil, a perda de produtividade pode custar cerca de R$ 8,9 bilhões às mulheres devido à queda de oportunidades de trabalho e colocação profissional. Para as empresas, as perdas relacionadas com a menopausa podem superar US$ 150 mil milhões por ano.

Além disso, estudos apontam que 1 em cada 10 mulheres, nos EUA, deixa o emprego devido a sintomas da menopausa que interferem na sua vida quotidiana.


Porquê apoiar e recompensar estas políticas?
Portanto, investir em políticas que apoiem a saúde feminina não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também uma estratégia inteligente para as empresas. Ao proporcionar um ambiente de trabalho que reconhece e apoia as necessidades das colaboradoras, as empresas podem:

  • Aumentar a produtividade: funcionárias que se sentem apoiadas tendem a ser mais comprometidas e produtivas.

  • Reduzir o absenteísmo: ao oferecer suporte adequado, as ausências relacionadas com sintomas incapacitantes podem ser minimizadas.

  • Melhorar a retenção de talentos: ambientes de trabalho inclusivos e solidários aumentam a satisfação e lealdade das colaboradoras.

  • Fortalecer a reputação da marca: empresas que adotam políticas progressistas ganham reconhecimento e respeito no mercado.


Quem já está a agir
Embora ainda exista um longo caminho pela frente, algumas empresas têm adotado políticas para apoiar as suas colaboradoras durante a perimenopausa e a TPM, e diagnóstico de endometriose: 

Vodafone (global): lançou um toolkit de menopausa e perimenopausa com formação para líderes,com materiais para as equipas e orientações de flexibilidade e apoio médico (inclui capítulos sobre perimenopausa, endometriose e transição), disponibilizado publicamente para outras empresas. 

Quaker Houghton (EUA): a gigante química implementou campanhas de consciencialização, alterou o tecido dos uniformes femininos, instalou dispensadores de água e criou políticas que permitem flexibilidade no trabalho durante os sintomas da menopausa.

Channel 4 (Reino Unido): política pioneira no sector dos media para sintomas de menopausa (acesso a trabalho flexível, períodos de ausência pagos quando necessário, espaços frescos e silenciosos, recursos de apoio). 

Menopause Workplace Pledge (Reino Unido): mais de 3.400 empregadores (BBC, Tesco, Royal Mail, Bupa, entre outros) comprometeram-se a reconhecer a menopausa como tema laboral e a criar medidas de suporte.

Nestlé (Brasil): lançou um programa interno para melhorar a qualidade de vida das profissionais que enfrentam os sintomas da perimenopausa e menopausa, reconhecendo o aumento da força de trabalho feminina nessa faixa etária.

Zomato (Índia):
oferece até 10 dias/ano de licença menstrual.

Genentech, Adobe, Nvidia, Bank of America (EUA): ampliaram benefícios de saúde com acesso a especialistas, grupos de apoio e consultas on-demand para menopausa/perimenopausa. 

Grupo MOL (Hungria): implementou a licença menstrual remunerada, permitindo que funcionárias se ausentem até dois dias por mês sem descontos na folha de pagamento. Após um ano de implementação, a empresa não observou queda na produtividade, já que as demandas das funcionárias em licença foram redistribuídas pela equipa.

Outras boas práticas incluem:

  • Criar um ambiente de trabalho inclusivo e solidário, no qual as colaboradoras se sintam à vontade para discutir as suas necessidades.

  • Estabelecer políticas claras sobre saúde feminina no ambiente de trabalho.

  • Oferecer treino para líderes e equipas sobre como apoiar colegas que enfrentam esses desafios.

  • Implementar ajustes razoáveis no ambiente de trabalho, como a aquisição de ventiladores de mesa ou a criação de políticas de trabalho mais flexíveis.

Porque é que precisamos falar sobre isto?

Normalizar este diálogo não é apenas uma questão de saúde, mas também de equidade no trabalho. Criar espaços em que as mulheres possam relatar as suas necessidades sem medo é essencial para garantir que mais pessoas tenham acesso a diagnóstico precoce e tratamento, assim como a promoção de ambientes de trabalho mais inclusivos e alinhados às reais necessidades da equipa.

A “licença tabu” é um reflexo de como ainda falta maturidade nas empresas para lidar com temas de saúde feminina. Se queremos organizações mais humanas e produtivas, precisamos deixar o tabu de lado e abrir espaço para políticas que acolham de verdade.

Falar sobre cólicas, endometriose ou menopausa não é sinal de fraqueza — é sinal de coragem.

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