Microdosagem de cogumelos: uma nova perspectiva para o bem-estar?

A busca por métodos alternativos para melhorar a saúde mental tem levado muitas pessoas a explorar caminhos menos convencionais - a boa notícia é que alguns deles estão a funcionar

Por Bia Sant’Anna

Nos últimos anos, a microdosagem de cogumelos psicadélicos deixou de ser um tema restrito a nichos da contracultura e passou a fazer parte de conversas mais amplas sobre saúde mental, produtividade e bem-estar. A prática, com relatos de melhoria de humor, criatividade, foco, produtividade e alívio de sintomas de ansiedade e depressão, tem despertado o interesse tanto de curiosos quanto de investigadores. 

“Os benefícios da microdosagem em ambiente clínico são já incontornáveis e o potencial terapêutico continua a expandir-se. O impacto mais plausível é na saúde mental, sobretudo na depressão resistente a tratamentos convencionais e na ansiedade. São reduções rápidas e duradouras nos sintomas, algo raro de se ver com as terapias atuais”, conta Rosa F. Brissos, PhD, investigadora e terapeuta holística de estados avançados de consciência. 

Muitos estudos mostraram já que substâncias psicadélicas clássicas, como a psilocibina (encontrada nos cogumelos), atuam diretamente em receptores cerebrais ligados à serotonina, um neurotransmissor associado à sensação de bem-estar - e que tem um papel fundamental na regulação do sono, libido e estados emocionais relacionados com a satisfação, otimismo e felicidade. 

Níveis reduzidos desta ‘hormona da felicidade’, portanto, são constantemente encontrados em quadros como depressão, ansiedade, transtorno de stress pós-traumático e até anorexia. Nesse sentido, a administração regulada da psilocibina pode trazer mudanças significativas e duradouras, principalmente em pacientes com transtorno depressivo mais resistente ao tratamento de antidepressivos convencionais.

As drogas psicadélicas ajudam, igualmente, os neurónios no cérebro a gerar novas dendrites, aumentando a comunicação entre as células e acelerando as sinapses: o que amplifica o foco e a concentração. 

Além disso, pesquisas e experiências em centros terapêuticos têm demonstrado que compostos como a psilocibina podem provocar essas alterações na conectividade neural num intervalo muito menor do que os antidepressivos, por exemplo, com mudanças observadas em menos de uma hora após a administração. O que não é exatamente uma boa notícia para as farmacêuticas que estão a comercializá-los.


Por trás do entusiasmo e das promessas, no entanto, permanece a necessidade de diferenciar percepções subjetivas de resultados cientificamente comprovados - um desafio que instituições como a Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) e o Instituto Phaneros, no Brasil, têm vindo a sublinhar. O efeito placebo ainda é um fator significativo a ser considerado e existe uma preocupação particular em relação aos efeitos a longo prazo, ainda não publicados.

Resultados mais rápidos e duradouros
Além disso, pesquisas e experiências em centros terapêuticos têm demonstrado que compostos como a psilocibina podem provocar essas alterações na conectividade neural num intervalo muito menor do que os antidepressivos, por exemplo, com mudanças observadas em menos de uma hora após a administração. O que não é exatamente uma boa notícia para as farmacêuticas que estão a comercializá-los.

“Mesmo perante dados objetivos, muitos investigadores de orientação mais conservadora ainda se colocam contra, o que atrasa a aceitação científica e torna a investigação mais lenta e extremamente dispendiosa”, concorda Rosa.

Por trás do entusiasmo e das promessas, no entanto, permanece a necessidade de diferenciar percepções subjetivas de resultados cientificamente comprovados - um desafio que instituições como a Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) e o Instituto Phaneros, no Brasil, têm vindo a sublinhar. O efeito placebo ainda é um fator significativo a ser considerado e existe uma preocupação particular em relação aos efeitos a longo prazo, ainda não publicados.

O que é microdosagem?
Basicamente, a microdosagem consiste em consumir doses mínimas, quase impercetíveis, de uma substância psicadélica – tão pequenas que não causam efeitos alucinogénicos. O objetivo não é "viajar", mas sim sentir uma leve melhoria no dia a dia, quase como um "tónico" para a mente. Pense em algo como 5% a 10% da dose recreativa usual. A ideia é que essas quantidades mínimas possam influenciar positivamente o humor, a criatividade e a energia, sem alterar a perceção da realidade.

Porque é que tanta gente está a experimentar?


Tem crescido o número de relatos de pessoas que afirmam sentir diversos benefícios com a microdosagem.Mas a investigadora Rosa Bassos diz que a microdosagem “exige consistência, experimentação cuidadosa com acompanhamento especializado, e idealmente deve ser integrada com práticas complementares como journaling, meditação e outras ferramentas de autoconsciência”.

Entre os mais citados estão:

Melhoria do humor e redução da ansiedade:
Muitos relatam uma sensação de leveza e otimismo, com uma diminuição de pensamentos negativos ou ansiosos.
Aumento da criatividade e do foco:
A microdosagem parece ajudar a "desbloquear" a mente, facilitando o pensamento divergente e a concentração em tarefas.
Mais energia e disposição:
Algumas pessoas comparam o efeito a um "café mais suave", sem os picos e quedas de energia.
Alívio de dores crónicas:
Embora menos estudado, há relatos de que a microdosagem pode ter um efeito analgésico.

Promessas preliminares e a necessidade de mais pesquisa
Uma análise de pesquisas publicada no Journal of Psychopharmacology, em 2021, analisou vários estudos sobre a microdosagem de psilocibina e LSD. Essa revisão sugeriu que a prática pode estar ligada a melhorias no humor, na capacidade cognitiva e na criatividade. Apesar disso, os investigadores foram claros ao afirmar que são necessários mais estudos rigorosos, especialmente pesquisas de longo prazo e com grupos de controlo, para validar essas descobertas e entender os mecanismos por trás dos efeitos relatados.

Outra linha de pesquisa importante investiga como a microdosagem pode afetar o cérebro a nível biológico. Um estudo de 2020 da Universidade de Maastricht, publicado na revista Translational Psychiatry, utilizou um modelo com ratos e encontrou evidências de que doses baixas de psilocibina podem, de fato, promover a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de criar novas conexões. Essa descoberta pode fornecer uma explicação biológica para alguns dos efeitos positivos, como a melhoria do humor e da criatividade, que são frequentemente associados à microdosagem.

“A ciência ainda está a dar os primeiros passos para tentar entender os mecanismos da psilocibina, mas tudo indica que pode, sim, representar uma mudança legítima de paradigma”

É crucial notar que a maioria dos estudos atuais são observacionais (baseados em questionários e relatos de usuários) ou preliminares (realizados com poucas pessoas ou em animais). Para que a microdosagem seja considerada uma prática segura e eficaz, é fundamental que haja mais estudos controlados com placebo, que separam o efeito real da substância do efeito psicológico. 

Rosa concorda: “É preciso saber que não estamos a falar de uma “cura milagrosa”, mas sim de um novo paradigma terapêutico em construção, que se mostra especialmente poderoso quando enquadrado em contextos estruturados, com preparação, acompanhamento e integração adequados”. E alerta que esse pensamento simplista “só faz contribuir para o boom de ‘coaches de microdosagem’ sem base sólida”.  A ciência está apenas a começar a desvendar a complexidade da microdosagem, e cautela é a palavra de ordem para a comunidade científica e para quem considera a prática.

A tendência em Portugal e na Europa
A tendência da microdosagem tem vindo a ganhar adeptos um pouco por toda a Europa, e Portugal não é exceção. Embora não existam números exatos, o interesse tem crescido, impulsionado por uma maior abertura ao debate sobre os potenciais usos terapêuticos de psicadélicos e pela descriminalização do consumo de drogas em Portugal. 

Iniciativas da sociedade civil como a PsychedeliCare, que reúne cientistas, terapeutas, ativistas, artistas e médicos, tenta, por exemplo, permitir que os europeus tenham acesso a Psicoterapia Assistida por Psicadélicos (PAP) de forma segura, regulamentada e consciente.

Para quem pode ser indicado? (E para quem não?)
A microdosagem é um território ainda em exploração, e não é para toda a gente.

Potencialmente indicado para:

-Pessoas que querem melhorar o humor, a criatividade ou o foco, de forma subtil e natural.

-Indivíduos interessados em explorar alternativas para o bem-estar mental, com cautela e informação.


Não indicado para (e com cautela especial):

-Pessoas com histórico de doenças psicóticas (esquizofrenia, transtorno bipolar), pois a psilocibina pode desencadear ou agravar episódios.

-Grávidas ou lactantes.

-Pessoas que usam medicamentos psiquiátricos, especialmente antidepressivos, sem antes consultar um profissional de saúde. A interação pode ser imprevisível e perigosa.

-Menores de idade.

-Quem procura uma "cura milagrosa". A microdosagem não é uma solução mágica para problemas complexos!

Legalidade e segurança
A questão da legalidade da psilocibina e da microdosagem na Europa é complexa e varia de país para país. Embora alguns países, como a Suíça, ofereçam tratamentos com psicadélicos em contextos específicos, a psilocibina é, em muitos locais, uma substância controlada e ilegal.

Em Portugal, a situação é peculiar. Desde 2001, Portugal descriminalizou a posse de qualquer droga recreativa, incluindo os cogumelos alucinogénicos, desde que a quantidade seja para consumo pessoal (até 10g de cogumelos frescos, por exemplo). No entanto, isto não significa que a microdosagem seja legal. A posse de kits de cultivo ou esporos pode levantar suspeitas legais e deverá ser tratada com cautela. O cultivo doméstico, em pequena escala e para uso pessoal, situa-se numa área legal ambígua, sendo tolerado mas não expressamente legalizado. A distribuição e o cultivo para fins comerciais são considerados crimes. Se for detetada psilocibina num teste confirmado, pode haver coima ou processo criminal, dependendo da situação.

A importação e o transporte destas substâncias através de fronteiras europeias podem ser considerados tráfico, mesmo que para uso pessoal, acarretando sérias consequências penais.

A segurança da microdosagem, a longo prazo, ainda não é totalmente compreendida. A pureza e a dosagem do material são cruciais e podem variar muito em fontes não regulamentadas, aumentando os riscos. Existem poucos casos de efeitos adversos graves, especialmente em doses controladas, mas desaconselha-se a sua utilização em pessoas com historial de psicose ou perturbação bipolar, como mencionado anteriormente.

A microdosagem de cogumelos é um tema fascinante e que tem despertado grande interesse em Portugal e na Europa. Embora os relatos de benefícios sejam promissores, é crucial abordar o assunto com informação, cautela e responsabilidade. A ciência está a começar a desvendar os mistérios por trás destas substâncias, e o futuro da pesquisa pode trazer insights valiosos para a saúde mental e o bem-estar.

“Acho que estamos apenas no início desta jornada científica. Há ainda muito por descobrir e compreender. Mas tudo indica que pode, sim, representar uma mudança legítima de paradigma”, afirma Rosa.

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