Uma reflexão sobre o que a IA consome — e por que vale a pena saber

O impacto ambiental da inteligência artificial é maior do que imagina, e está escondido por trás de cada resposta rápida que recebe

Por Isis Freitas 

A inteligência artificial (IA) já faz parte da rotina. Pode pedir-lhe um e-mail corporativo, o resumo de reunião à qual nem assistiu, ou uma legenda de fotografia que pareça casual, mas tenha passado por três revisões e um comité interno invisível — e ela entrega.

Rápido, limpo, brilhante. Mas por trás da resposta imediata existe uma infraestrutura pesada que ninguém vê. E ela consome muito mais do que apenas tempo de processamento.

Na prática, a sua questão vai parar num centro de dados — um armazém cheio de computadores ligados permanentemente, a processar milhares de tarefas por segundo. Para isso funcionar, é preciso gastar muita energia e muita água — usada, sobretudo, para arrefecer as máquinas. Quantidades suficientes para abastecer cidades inteiras, todos os dias. Tudo isto para gerar um parágrafo que parece ter saído leve da “nuvem”.

Cada prompt tem um custo real
Um único pedido pode consumir até dez vezes mais energia do que uma pesquisa no Google — e usar até meio copo de água apenas para arrefecer os servidores. Dez pedidos? Já é quase uma carga inteira de telemóvel e meio litro de água gasto. Agora multiplique isso por milhões de utilizadores, todos os dias, e percebe-se porque é que a inteligência artificial se tornou um problema ambiental silencioso — e crescente. Ainda mais agora que cada vez mais empresas funcionam com fluxos automatizados, chatbots, sistemas internos e produtos inteiros assentes em IA.

Nos próximos anos, este consumo vai disparar. Segundo a Agência Internacional de Energia, os centros de dados deverão gastar mais de 940 terawatts-hora por ano até 2030 — mais do que toda a indústria norte-americana de ferro, aço e cimento juntas. E o uso de água deverá duplicar: só em 2022, estes centros consumiram cerca de 560 mil milhões de litros, principalmente para arrefecimento.

E isso sem contar com o avanço dos modelos “sempre ligados”, que alimentam assistentes virtuais, aplicações de produtividade, automóveis, eletrodomésticos e praticamente tudo o que agora vem com o selo “powered by AI”.

Não se trata de cancelar a IA, mas de mudá-la
Também não é sobre “acabar” com a inteligência artificial. Já existem soluções — e funcionam. Alguns centros de dados usam arrefecimento direto nos chips, consumindo menos de um copo de água a cada 10 horas por servidor. Outros operam em circuito fechado, reaproveitando a mesma água indefinidamente. Há estruturas que captam água da chuva, usam energia solar ou redirecionam o calor gerado para aquecer edifícios vizinhos. Existem, ainda, arquiteturas mais eficientes, chips que consomem menos e novas formas de treinar modelos com impacto reduzido. Ou seja: tecnologia não falta. O que falta é prioridade.

O mito da IA “limpa”
A inteligência artificial não é limpa por padrão — apenas parece. A maioria das empresas que desenvolvem ou alojam estes modelos não divulga dados claros sobre o que consomem, nem sobre os impactos ambientais que geram. Entretanto, continuamos a usar IA como se fosse leve, automática, inevitável. Mas ela depende de recursos reais e finitos. Sem visibilidade, não há cobrança.

Sem cobrança, não há mudança

Se quisermos que esta tecnologia evolua de verdade, precisamos começar por reconhecer o que ela custa. Porque o impacto existe. A diferença é que, por enquanto, continua escondido.

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