A era do 'boy sober': porque é que tantas mulheres estão a optar por um sabático emocional

Fica a conhecer o movimento de mulheres que optam por uma pausa consciente nos relacionamentos, para se poderem reconectar consigo mesmas

Por Daniela Branco

Já ouviste falar no termo boy sober? Não se trata de alguém que parou de beber, mas sim de mulheres que, cansadas das repetições e vazios afetivos, escolhem conscientemente fazer uma pausa nos relacionamentos. Não é desistência. É uma escolha ativa. É um sabático emocional.


Esta decisão tem ganhado espaço em rodas de conversa, podcasts e nas redes sociais porque toca em algo muito profundo: o desejo de se reconectar consigo mesma antes de se entregar ao outro. Na escuta clínica, este movimento aparece com frequência. Mulheres exaustas de encontros que não têm sustentabilidade, vínculos que nascem já feridos pela pressa, relações que exigem performance constante. Parar, neste contexto, é uma escolha radical de cuidado.

Excitação constante, prazer raso
O psicanalista André Alves, no programa de tv/ podcast “Bom dia, Obvious”, mais especificamente no episódio  “A crise da libido e o futuro dos relacionamentos” | #265, fala sobre a erosão da sexualidade contemporânea e a ascensão da intimidade sintética. Vivemos na era do contacto permanente, mas da conexão rarefeita. A excitação é constante, mas o prazer é raso. Ele diz que estamos viciados em estímulos como quem bebe refrigerantes. Bebe, bebe, bebe e continua com sede. Nesse cenário, o sabático de encontros aparece como uma recusa a esse consumo emocional superficial. Um convite ao real.

Para a psicanálise, a libido não é apenas energia sexual. É a força vital que nos move, que nos faz desejar, criar, transformar. Quando essa energia é canalizada apenas para a manutenção de casos ou para sustentar uma presença digital sedutora, ela perde-se. O sabático é uma forma de perguntar: onde tenho investido a minha energia? O que me nutre de verdade?

Também vivemos sob a tirania da imagem. A mulher desejável, performática, segura, bem resolvida. A melhor versão de si mesma. Mas a essência não cabe nesse molde. O sabático é o espaço onde essa mulher pode deixar cair a máscara. Onde não precisa provar, conquistar, superar. Onde pode reencontrar o seu desejo não como expectativa do outro, mas como pulsação própria.

Hora de silenciar o barulho exterior
Este tempo de pausa é também um regresso ao corpo. Não o corpo para ser visto, julgado ou gostado, mas o corpo que sente, que tem tempo, que desacelera, que descobre o prazer na caminhada, no silêncio, no toque sem finalidade. O corpo que se escuta e não apenas se apresenta.


Outro ponto importante é a nossa dificuldade contemporânea com o conflito. Queremos relações leves, fluídas, sem atrito. Mas isso é impossível. Relação exige fricção. Implica lidar com a alteridade, aguentar o não, a espera, o descompasso. O sabático pode ser esse momento de fortalecimento subjetivo, de elaboração do incómodo, de contacto com as próprias sombras, de reconhecimento de que a presença do outro também é presença de desconforto.

E há, ainda, o ponto delicado do desejo politizado. Em tempos de vigilância moral intensa, muitas mulheres sentem que as suas escolhas afetivas precisam de seguir um manual ideológico. Como se desejar alguém “errado” invalidasse tudo o que elas são. O sabático também é esse espaço de descompressão. Para silenciar o barulho exterior e para escutar o próprio desejo sem precisar de se justificar.

Sexo tem a ver com performance?
Por fim, o sabático permite repensar o lugar do sexo na vida de cada uma. Talvez tenhamos, em nome da liberdade, atribuído ao sexo um valor performático demais. Como se ele devesse ser sempre intenso, libertador, revolucionário. Talvez o sexo precise apenas de voltar a ser encontro, mistério, descoberta e, para isso, talvez seja necessário ele vir depois de um tempo de silêncio.


O boy sober é, então, menos sobre os outros e mais sobre si própria. É o tempo da mulher com ela mesma, para cuidar do que foi negligenciado. Para ela redirecionar a sua libido e deixar de repetir. Para não mais servir a qualquer expectativa. Para encontrar, com calma, o que pulsa nela.

Esta escolha de pausa é também um gesto de presença. E talvez seja esse o maior erotismo que podemos experimentar agora.

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