Entre raízes e novos voos, a cantora Terra Blanco fala sobre transformações, autocuidado, música e surf

A cantora assume a sua identidade artística com força renovada, prepara o álbum Nem Tudo São Dores e celebra colaborações marcantes com Ney Matogrosso e Tony Gordon

Por Bia Sant’Anna

O nome já diz muito: Terra Blanco. Depois de mais de uma década a assinar como Ana Terra, a artista decidiu assumir o nome pelo qual sempre foi chamada pela família e amigos. “Levei muitos anos de autoconhecimento e de empoderamento para, finalmente, poder dizer: não, não sou a Ana, eu sou Terra”, conta. “E assumir Terra é assumir o meu poder.”

A mudança não é apenas simbólica: reflete uma identidade artística que floresce numa carreira a solo, depois de mais de uma década a liderar uma banda marcada pela energia do hip-hop e da surf music.

Agora, a sua música ganha novas cores. “É algo como uma nova MPB, tem uma bossinha, um samba, um beat… é uma coisa nova, agradável”, resume. O primeiro álbum, Nem Tudo São Dores, será lançado em 2026, mas apresenta-se já em capítulos: singles que revelam facetas distintas de um projeto que olha para a dor como o ponto de transformação e não como um fim.

O percurso recente de Terra Blanco é também marcado por encontros simbólicos. Em julho, lançou História Mal Contada, um dueto com Ney Matogrosso, uma canção composta por Paulinho Mendonça e pelo seu pai, Bilinho Blanco. Mais recentemente, apresentou Fim de Caso, o clássico de Dolores Duran, interpretado em parceria com Tony Gordon. “Quero que o fim não seja tão pesado. Ele também traz mudanças, traz um abanão na vida. É movimento”, afirma. Entre raízes familiares, novas parcerias e uma consciência artística mais madura, Terra Blanco dá início ao seu ciclo mais luminoso.

A tua relação com a Girls on Board é antiga, caminhos que se cruzam em vários pilares, certo?

Sim, conheci a Girls on Boards há uns 12 anos, quando eu surfava muito. Estava nos meus 20 anos. Era surf, skate, bike, patins, enfim, tudo o que havia para andar, nós estávamos lá. Todas as mulheres juntas, era muito bom. Também tive uma banda durante 13 anos, que tinha muito esta vibe, um hip-hop, com surf music… só good vibes.

E agora estou numa carreira a solo. É algo como uma nova MPB, tem uma bossinha, um samba, um beat. É também uma coisa nova, agradável, e gostaria que conhecessem a Terra Blanco em todas as plataformas.

Pois é, passaste a apresentar-te como Terra Blanco, e já não és a Ana Terra. Que significado tem essa mudança de nome em termos de identidade artística e pessoal? 

Finalmente, assumi-me como Terra! Toda a minha vida, os meus familiares e amigos mais próximos me chamaram Terra. Identifico-me como Terra. O meu ser artístico é totalmente Terra, a minha presença é Terra. Só que eu nunca tive o poder de dizer: "Não quero ser chamada de Ana". Porque gosto do nome Ana Terra, acho que é um nome forte, que vem do livro “O Tempo e o Vento”, da literatura brasileira, e acho essa personagem maravilhosa.

Só que acabavam por reduzir-me a Ana e essa não sou eu. Então, levei muitos anos de autoconhecimento, muitos anos de empoderamento para, finalmente, poder dizer: "Não, não sou a Ana, eu sou a Terra". Há pessoas que ainda não sabem disso. Mas isso fez-me assumir este meu poder, que eu sei que tenho.

Lançaste, em julho, o “História Mal Contada”, um single em parceria com o Ney Matogrosso. Como foi o processo deste dueto?

Temos um amigo em comum, que foi a pessoa que mais me deu força na minha carreira a solo, e um anjo na minha vida, que teve esse insight de nos juntar para cantarmos os dois. “História Mal Contada” é uma música do Paulinho Mendonça e do meu pai, Bilinho Branco. Foi todo um processo para que este momento se concretizasse, de conseguirmos alinhar datas, até porque o Ney é um ícone da música brasileira. Mas conseguimos! 

E como foi a gravação? O que guardas desse encontro?

Ele é um ser humano muito iluminado. Eu não me canso de dizer que ele é uma entidade, uma coisa, e, ao mesmo tempo, ele é simples e fala contigo olhos nos olhos. Ele pulsa arte, “não tem frescura”, e faz o que a arte pede, o que a música pede. Então, foi um dia muito mágico. Gravámos também o videoclipe e alguns depoimentos, e ele falou coisas lindas sobre mim. Fiquei muito grata e muito emocionada com tudo o que aconteceu e com a generosidade dele.

E acabaste de lançar outro single, desta vez com o Tony Gordon, não foi?

Sim, chama-se “Fim de Caso”. É uma música da Dolores Duran, uma artista que admiro muito, que teve uma história muito linda, e quero manter viva uma música dela. E aí o Universo trouxe-me o Tony Gordon, que, por acaso, é o sobrinho dela e tem uma voz ancestral.

Como trouxe algumas releituras para o álbum, fiz questão de ter uma compositora feminina. E a Dolores Duran foi tão incrível, tão versátil - ela marcou o início antes da Bossa Nova, trouxe o jazz para o Brasil e cantava em várias línguas. É uma artista que eu admiro muito e o meu avô (Billy Blanco) compunha músicas para ela também. Esse tipo de música toca-me muito e tem tudo a ver com o conceito do álbum, sobre o fim de ciclos, de relacionamentos ou ciclos da vida. Mas tudo isto com uma energia positiva. Quero que o fim não seja tão pesado; ele faz parte, traz mudanças, traz um abanão à vida - é movimento.

Sobre esse álbum de estreia a solo… O que queres expressar com ele?

O meu álbum, “Nem Tudo São Dores”, vai ser lançado apenas no próximo ano, mas até  lá vou estar a lançar alguns singles para o público digerir o meu som. Serão oito faixas, todas neste contexto de que nem tudo são dores, só depende da forma como queremos olhar para elas. Vai sempre sair alguma coisa linda dessa dor.

Acreditas no papel da música como ferramenta de transformação pessoal e social? Como observas esse potencial no teu trabalho?

Acredito que a música é uma vibração, uma energia, uma ferramenta para várias situações da vida. Existem vários tipos de música para vários tipos de situações, não é? Há aquela música para festas, para dançar, para chorar, para te sentires bem, para esqueceres os problemas... E também existe música que é feita para pensar, dialogar consigo mesmo, e criar. A música tem um enorme poder de mudança!

E como é que a expansão de consciência está presente no teu processo criativo? Sentes que, quanto maior for a consciência interior, mais a música flui de forma diferente?

Sem dúvida nenhuma! A expansão da consciência interior é a chave para uma vida abundante, feliz. É a consciência de que cada pequena coisa é um presente, cada pedacinho do meu corpo é um presente, cada respiração é um presente.

Isso enriquece mais a minha vida, faz-me pulsar ainda mais, dá-me mais vontade de viver plenamente. Porque a consciência é alegria, é felicidade. Estar presente é um presente. Estar atento ao nosso corpo é mágico. E dilatar essa consciência é muito importante e muito libertador no processo criativo: abre uma torneira infinita, porque o universo é muito abundante.    

O que “autocuidado” significa para ti, especialmente em momentos intensos de promoção, digressão, gravações? Tens práticas (corpóreas, meditativas, espirituais) que te norteiam?

Só de pensar no meu autocuidado fico logo com um sorriso de orelha a orelha. É um must e uma necessidade. Tenho, sim, vários processos de autocuidado. O primeiro é beber água o dia inteiro. Assim, começo o cuidado da minha pele, e depois coloco hidratante e protetor solar.

Por outro lado, cuidar do meu corpo é um dos maiores prazeres de autocuidado que tenho. Uma das minhas grandes paixões é dançar, mas também pratico yoga e meditação, o que me faz muito bem desde que comecei a fazê-lo. É algo muito completo.

Correr é outra atividade recente e estou a adorar, mas ler é também uma prática espiritual muito forte, e sinto-me muito empoderada quando leio algo potente.  

E sobra-te tempo para descansares?

Sim, é preciso estarmos atentos ao que o corpo está a pedir. Exigimos tanto de nós, que nem queremos descansar, mas o descanso é muito importante. Dormir bem é crucial! Outra coisa muito importante para mim é passar tempo com a minha filha. Mas um tempo de qualidade: sair com ela para andar de bicicleta, de skate, de patins.

E surfar…

Ainda não introduzi o surf na vida dela, porque tem apenas seis anos, mas o surf também é algo que eu gostava muito de fazer. Era um momento meu com o mar, com Deus, o universo e a natureza. Se puder fazer desporto na natureza ou algo que faça o coração bater mais forte, para mim isso é amor e autocuidado.

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