A mulher que agrada demais
Cuidar dos outros é bonito - mas não pode ser à custa de si mesma.
Por Daniela Branco
Há mulheres que se tornaram especialistas em sentir o que o outro precisa, mesmo antes que ele o diga. Ela antecipa, organiza, oferece. Sabe o gosto de toda a gente, menos o seu. Sabe acolher, mas não sabe pedir colo. Sabe sustentar, mas já nem sabe mais o que a sustenta. É boa filha, boa mãe, boa aluna, boa funcionária, boa esposa. Tão boa que, por vezes, desaparece dentro de tanta bondade.
Desde cedo, muitas de nós aprendemos a existir para o outro. Ser boazinha, educada, prestável. Engolir o choro, engolir a raiva, engolir o cansaço. Sorrir mesmo quando o corpo grita. Esta forma de ser, aparentemente tão admirada, muitas vezes não é uma escolha. É protecção. É adaptação. É aquilo a que Donald W. Winnicott (pediatra e psicanalista inglês) chamou de falso self: uma camada que construímos para sobreviver em ambientes onde o nosso “verdadeiro eu” não teve espaço para ser.
Sabe dizer não?
O falso self é aquele que funciona, que responde, que não incomoda. É aquele que, aos poucos, vai apagando o gesto espontâneo. E sem gesto espontâneo, começamos a secar por dentro. A mulher que agrada demais não sabe dizer não, mesmo quando está exausta. Tem medo de desiludir, de ser chamada de egoísta, de ser posta de lado. Mas, no fundo, já está de lado de si própria há muito tempo.
Quando isto se prolonga, o corpo começa a falar. Vem a insónia, a ansiedade, as dores difusas, a falta de desejo. O corpo começa a pedir resgate. A boa notícia é que há sempre tempo para voltar. Voltar para si. Voltar a escutar o que pulsa por dentro. Voltar a dizer “sim”, apenas quando é um “sim” verdadeiro. Voltar a dizer “não” e não se sentir má por isso.
Cuidar dos outros é bonito.
Mas não pode ser à custa de si mesma.
Não precisa de agradar para merecer afecto. Não precisa de estar ao serviço de para ser amada. Não precisa de caber para existir. A vida não quer que seja perfeita.
Ela quer que seja inteira.